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Diabete Mellitus Tipo 1

O que é?

Diabetes é um distúrbio do metabolismo da glicose, que se caracteriza pelo excesso de glicose no sangue, sendo que pode ocorrer em qualquer faixa etária, e resulta da deficiência absoluta ou relativa de Insulina. O Diabetes Tipo 1 (DT1) é caracterizado pela destruição das células beta do pâncreas, mediada pelo Sistema Imunológico resultando na dependência de insulina exógena para toda a vida. (American Diabetes Association, jun, 2014).

O DT1, por muito tempo, foi chamado de Diabetes Juvenil pois seu diagnóstico é mais frequente em crianças e adolescentes. Hoje, sabe-se que pode ocorrer também em adultos. Já o Diabetes Tipo 2 (DT2) é mais frequente em adultos, em qualquer fase, e idosos, mas atualmente, também tem sido diagnosticado em crianças e adolescentes. Ou seja, ambos os tipos podem atingir qualquer faixa etária, sendo mais frequente em um ou outro grupo.

Tanto o Diabetes Tipo 1 quanto o Tipo 2 resultam na elevação dos níveis de glicose no sangue, mas suas causas e sua fisiopatologia são diferentes e necessitam ser consideradas de forma independente.

Como?

O DT1 resulta da destruição das células beta pancreáticas pelo sistema imunológico (doença autoimune), de forma crônica e progressiva, levando a uma grave deficiência de insulina. É como se o organismo “se enganasse” e começasse a criar anticorpos contra suas próprias células (as do pâncreas). É uma doença poligenética, tendo já sido descritos, até o momento, aproximadamente, 20 genes relacionados, explicando assim, porque na maioria dos casos, se identifica uma forte história familiar para Diabetes. O processo autoimune é causado, provavelmente por agentes ambientais que agem quando há predisposição genética.

É comum?

A incidência do DT1, em todo o mundo, é difícil de ser estimada, e varia muito de uma região geográfica para outra, e ainda em relação à etnia. Seu número vem aumentando, uma vez que seu diagnóstico tem sido cada vez mais frequente em adultos, principalmente adultos jovens e pelo aumento da sobrevida de crianças e adolescentes diabéticos que se tornaram adultos.

Quando suspeitar de diabetes DT1?

Suspeita-se de DT1 quando a criança, o jovem ou adulto apresenta perda de peso, polifagia (come exageradamente), tem polidipsia (muita sede) e poliúria (urina muito) são os chamados 4Ps, acompanhados de acentuada hiperglicemia (taxa de glicose no sangue bastante alta em relação à referência) e que não responde à medicação oral. Os 4Ps são portanto, sinais de alerta.

É importante que seu diagnóstico seja rápido para instituir o tratamento adequado, cuidados especiais e prevenir suas eventuais complicações. Quando isso não ocorre, o quadro evolui drasticamente culminando com Cetoacidose diabética – quando a pessoa apresenta respiração rápida, desidratação, comprometimento do estado de consciência, podendo evoluir para o coma. Situação grave que exige tratamento médico hospitalar, havendo risco de morte.

História clínica do DT1

Há uma variabilidade muito grande quanto à apresentação da doença, tanto nos jovens quanto nos adultos. A literatura endossada pela American Diabetes Association (ADA) refere que na criança, o DT1 costuma apresentar um início agudo, com sintomas severos que evoluem rapidamente para um quadro grave, de desidratação, respiração rápida, diminuição do estado de consciência, chegando ao coma, e que, no adulto, o quadro se instala de forma gradativa, semelhante ao DT2.

Como doença autoimune (ADA, 2014), pode-se entender que é um processo que se instala, progressivamente, sendo que quando aparecem os sintomas, grande parte do pâncreas já está comprometido, o que vai de encontro ao quadro agudo também relatado na literatura. Na minha experiência, os sintomas se iniciam de uma forma leve. Por exemplo, a criança de 4 a 6 anos ou mais, que já controlava esfíncter vesical começa apresentar enurese noturna ou diurna, ou a criança vai toda hora ao banheiro, mas está naquela fase em que aprendeu a usar o banheiro e se acha importante ao fazer uma coisa que os adultos fazem…, a criança maior urina muito mas toma muita água, … Em geral a criança é magra e os pais não observam a perda gradativa de peso, ou acham que é natural…, enfim como são sinais leves, muitas vezes não chamam a atenção dos pais. Somente é percebido quando a criança ou adolescente fica prostrado, sem ânimo, ou se ocorrer um fator desencadeante, um estresse seja de qualquer ordem: uma infecção ou uma perda, e, se não for feito o diagnóstico, os sintomas evoluem rapidamente e se instala o quadro grave descrito anteriormente. Daí a importância de o diagnóstico ser feito logo que se iniciam os sinais e sintomas.

Diagnóstico

O diagnóstico é realizado pelo médico com base nas informações fornecidas pelo responsável ou pelo paciente e ainda por parâmetros laboratoriais definidos.

Atualmente, os Pediatras estão atentos ao aumento da incidência de DT1 e os pais, quando existe um caso na família, estão alertas, sendo que, felizmente, em nosso meio, muitos diagnósticos são realizados ambulatorialmente, na fase inicial, não havendo necessidade, muitas vezes de internação hospitalar.

No adulto, o DT1 apresenta-se clinicamente semelhante ao DT2, sendo necessário seu diagnóstico diferencial.

Por outro lado, a elevada incidência de sobrepeso e obesidade também pode confundir o diagnóstico do DT1. Uma pessoa magra que apresente sintomas sem  antecedentes de 1º grau, mas com história de parentes distantes com DT1 ou outra doença autoimune, deve-se suspeitar deste diagnóstico. Uma pessoa com sobrepeso, de qualquer idade, com síndrome metabólica e forte história familiar de DT2 pode-se pensar em DT2, sendo que deve-se fazer o diagnóstico diferencial, ainda que para descartar a possibilidade de DT1.

Tratamento

Cabe lembrar que o tratamento é diferente do DT2. No DT1, como pode ocorrer em qualquer faixa etária, tanto o endocrinologista, como os pais, e as demais pessoas que convivem com a criança ou adolescente, devem ter em mente suas necessidades e desenvolvimento físico, psíquico, emocional e social. O bebê, o lactente, o pré-escolar, o escolar, o adolescente (em seu diferentes momentos) e o adulto jovem, embora possam ter o mesmo diagnóstico, deverão ser tratados e acompanhados de acordo com sua individualidade como pessoas que estão em crescimento e desenvolvimento.

Independente da idade, o tratamento como um todo é o mesmo: dose de insulina subcutânea ajustada frequentemente (Fig.1), monitorização da glicose capilar (ponta de dedo) no mínimo 3 vezes ao dia, alimentação adequada à sua faixa etária, maturação e estado metabólico e atividade física diariamente.

O acompanhamento médico, no início quase que diariamente, depois semanal, mensal e ao longo da fase de crescimento trimestral, e, quando adulto, pode ser semestral. A criança deverá ter seu crescimento, desenvolvimento e maturação monitorados, pais estimulados para cumprirem o calendário vacinal, prevenção de doenças da infância e adolescência.

Faz parte também do tratamento, um programa educacional, envolvendo uma equipe multiprofissional com nutricionista, enfermeiro (a), psicólogo(a), e educador físico, tendo como objetivo que o paciente e sua família aprendam a identificar e evitar as complicações agudas (hipoglicemia e hiperglicemia) e as complicações crônicas. Os professores da escola e outros profissionais deverão ser informados e orientados sobre as complicações, principalmente as hipoglicemias, para poderem agir imediatamente e prestar os primeiros cuidados.

O tratamento do DT1 é dinâmico e interativo, evoluindo em conhecimento e mudança de comportamento da família, da criança ou adolescente, sendo que o papel dos pais é de inquestionável importância para a aceitação deste distúrbio crônico.

Complicações agudas

As complicações agudas se caracterizam por seu início rápido e muitas vezes intenso, como ocorre na hipoglicemia (queda da glicose no sangue) sendo que os sintomas são desde sensação de fome, leve dor de cabeça, passando por suor frio, tremores, tontura, perda da consciência, convulsões e coma. Outra complicação aguda é a hiperglicemia (elevação da glicose sanguínea) que se instala mais lentamente (dias), a pessoa começa a ter fome exagerada, perde peso, apresenta muita sede, toma muita água. Tanto em caso quanto no outro, o médico deve avaliar, para detectar a(s) causa(s) e instituir de imediato o tratamento adequado.

Complicações crônicas

Aqueles casos em que não há adesão ao tratamento na sua integralidade, nos quais não há um bom controle glicêmico, seja qual for o motivo, podem ocorrer as complicações crônicas que são graves e de início e progressão silenciosa, e devem ser temidas por todos. Tais como a retinopatia diabética e alterações da função renal, as quais podem culminar com cegueira e/ou insuficiência renal que podem levar ao óbito prematuro.

Boas notícias

O avanço dos conhecimentos sobre esta patologia, com consequente repercussão na indústria farmacêutica e tecnológica, progressos na área de indústria de alimentos tem oportunizado constante oferta de produtos que a partir de parâmetros simples e fáceis de serem verificados sinalizam a qualidade do controle glicêmico (fitas reagentes e glicosímetros, que podem enviar as informações via internet); um gama de produtos alimentares isentos de açúcar (na forma dietética); novos tipos de insulina (longa duração, ação intermediária, rápida e ultra-rápida) e novos métodos para sua aplicação (iniciou-se com a seringa, canetas, bomba de infusão contínua, Fig.2). Com relação à insulina, recentemente, nos Estados Unidos, foi aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) uma nova insulina inalável, que é ultra rápida, com pico no sangue em 15 minutos após a inalação, a qual ainda não está disponível para a comercialização. Esta não dispensaria a insulina de longa ou média duração.

O pâncreas artificial/biônico, transplante de pâncreas, transplante de ilhotas, entre outras, são pesquisas que estão bem avançadas e frequentemente apresentadas em congressos e reuniões dos diabetólogos, acreditando-se que em breve tenhamos mais recursos para seu tratamento.

As crianças e adolescentes com diabetes, apesar dos grandes desafios diários para manter a glicose dentro dos limites desejados, são pessoas bastante saudáveis, talvez pelo fato de receberem mais cuidados e atenção médica e da família, terem que realizar atividade física diariamente e receberem uma alimentação saudável. Podem estudar, brincar, praticar esportes, competir com seus pares, e depois, quando adultos, tornarem-se profissionais competentes em qualquer área.

Referências bibliográficas:

CHIANG, J. L.; KIRKMAN, M. S.; LAFFEl, L. M.B. e PETERS, A.L. Type 1 Diabetes Through the Life Span: A Position Statement of the American Diabetes Association. Diabetes Care, jun 2014.

PIROT, P; CARDOSO, A. K.e EIZIRIK, D.L Mecanismos de destruição e morte da célula-beta pancreática no diabetes. Arq Bras Endocrinol Metab 2008, vol.52, n.2, pp. 156-165.