Interclinic

Tumores Endócrinos em Crianças e Adolescentes

O Sistema endócrino é responsável pela produção de substâncias que atuam à distância, denominadas hormônios, interagindo com do Sistema Nervoso e Sistema Imunológico, de uma forma integradora. Isto explica, por exemplo, porque uma pessoa com alergia tem que usar um corticoide (produto semelhante a um hormônio). O estudo do Sistema Neuro-Endócrino nos permite uma visão mais dinâmica do que acontece no nosso corpo.

Na hierarquia neuroendócrina, o hipotálamo (FIG.1) regula, através de, pelo menos, 10 hormônios ou fatores liberadores ou inibidores, a atividade da glândula hipófise. Esta, por sua vez, produz e lança hormônios que irão atuar em glândulas específicas chamadas glândulas-alvo as quais vão produzir seus hormônios, responsáveis pelas transformações e equilíbrio no organismo. As funções neuroendócrinas têm um papel relevante no crescimento, maturação e desenvolvimento neuromotor e intelectual, daí sua importância na infância e adolescência.

Os tumores da região hipotálamo-hipofisária são os hamartomas, neurofibromas, adenomas e craniofaringeomas, sendo, estes últimos, a principal causa de insuficiência hipofisária.

Crâniofaringeoma (CF)

J, menino, 2 anos e sete meses, terceiro filho, gestação 38 semanas, sem intercorrências, nasceu de parto cesáreo, por opção materna. Pesou, ao nascer, 4.200 g, 51 cm de comprimento, perímetro cefálico 36 cm (PC). Leite materno até 1 ano e 2 meses, sem ter apresentado nenhuma doença.

A mãe comentou que desde os 4 meses J “puxava os olhos para o lado”, e não deu importância. Quando começou a caminhar, tropeçava e se batia nos móveis, caindo com facilidade.

Seu ganho de peso e desenvolvimento neuro-psicomotor (DNPM) foi dentro da normalidade, porém, apresentou diminuição de sua velocidade de crescimento, “caindo da curva média para duas abaixo”, no gráfico de crescimento (Carteira da criança).

Pouco antes de completar 2 anos, em consulta oftalmológica foi identificada uma alteração no nervo ótico, tendo sido solicitado parecer de neurologista que suspeitou de tumor (TU), o que foi confirmado pela Tomografia Computadorizada do Crânio (TCC). O exame anátomo-patológico confirmou o diagnóstico de Craniofaringeoma.

O craniofaringeoma (CF) é um dos principais tumores cranianos, sendo responsável por 7 a 13% de todos os tumores intracranianos em crianças menores de 13 anos, com pico de incidência aos 7 anos. Surge de células remascentes de tecido embrionário que normalmente dá lugar à hipófise anterior, é uma malformação congênita, portanto já presente ao nascimento e, ao longo do tempo, vai aumentando de volume, de uma maneira até silenciosa. Suas dimensões são variáveis, desde o tamanho de uma azeitona ao de uma laranja (FIG.2).

Está associado, com bastante frequência, à diminuição da velocidade de crescimento, à deficiência de hormônio de crescimento, que tem como resultado a baixa estatura, e ao Diabetes insípidus. Embora seja um tumor benigno torna-se potencialmente maligno devido à sua localização. Na maioria das vezes se estende, confundindo-se com o hipotálamo, comprimindo estruturas importantes, devido ao seu aumento, levando a alterações visuais, cefaléia (dor de cabeça), e/ou vômitos.

Seu tratamento é cirúrgico, havendo a necessidade da reposição hormonal dos hormônios afetados. Hormônio antidiurético; Hormônio do crescimento; Hormônio tireoideano; Hidrocortisona e, na idade puberal, a puberdade deverá ser induzida.

Tumor de Supra-renal

F, menino, 11 meses de idade, 1º filho, nasceu com 50 cm e 4.500 kg parto cesáreo. Foi amamentado ao seio. A mãe havia observado que o menino tinha os genitais grandes, e perguntou ao Pediatra, em consulta de Puericultura, que a tranquilizou, dizendo que “era assim mesmo”.

F sempre foi saudável, apresentando crescimento acima da média (Caderneta da Criança, Ministério da Saúde), e seu desenvolvimento neuropsicomotor e social dentro do esperado.

Dois meses antes de procurar o endocrinologista, o crescimento de pêlos, junto ao pênis chamou a atenção da mãe, que ficou envergonhada de consultar por isso.

À consulta médica, no exame físico, apresentava estatura e peso acima da curva superior dos gráficos de crescimento, e DNPM de acordo com a idade. Genitália masculina, testículos infantis, pele da bolsa escrotal adelgaçada, levemente pigmentada, presença de pêlos pubianos, longos, espessos, pigmentados e alguns querendo encaracolar. Exames laboratoriais e de imagem sugestivos de TU de Supra-Renal. Encaminhado para a Cirurgia Pediátrica

De fato, ao nascer, a genitália masculina é desproporcional ao tamanho da criança, e depois, quase não cresce, ao longo da infância (até 9 anos), sendo muitas vezes motivo de consulta.

As glândulas supra-renais são pequenas, medem 4 a 6 cm, estão localizadas logo acima de cada rim, daí sua denominação. Embora estejam próximas dos rins, são órgãos independentes, e não têm nenhuma relação com a função renal (FIG.3).

Os tumores de SR podem, como os demais, ocorrer em ambos os sexos, e toda a criança que apresentar pelificação na região genital antes de 4 anos e aceleração do crescimento, deve ser investigada para ser excluído este diagnóstico por ser mais frequente até esta idade. Tanto no menino, quanto na menina o quadro progride, surgem pêlos no rosto, choro rouco, podendo, dependendo do tipo de hormônio secretado surgir outros sintomas como hipertensão arterial.

Os tumores de SR podem se apresentar sob a forma benigna ou maligna, embora sejam raros em nível mundial, as região sudeste e sul do Brasil apresentam incidência maior que outros países, e seu tratamento é cirúrgico (FIG.4).

TU de Tireóide

R, menina, 15 anos, queixa-se de queda dos cabelos, unhas frágeis e muito quebradiças. Tendência à constipação intestinal, nega perda de peso, refere muito sono, desânimo, falta de interesse pelos estudos, sendo que era muito estudiosa e ativa anteriormente, sem outros sintomas. Apresenta histórico familiar de tireoideopatia.

Ao exame físico, além da confirmação de sua queixa, observou-se aumento da glândula tireóide (FIG.5), sem adenomegalias (ínguas) cervicais palpáveis.

Embora a incidência de câncer de tireóide seja pequena em crianças e adolescentes, o risco aumenta quando recebem irradiação e, segundo a literatura recente, acredita-se que os tumores malignos são bem mais frequentes, nesta faixa etária, do que se pensava anteriormente (FIG.6).

Nem sempre é possível palpar nódulos tireoideanos neste grupo etário, assim, diante de uma glândula aumentada de volume, além dos exames laboratoriais, que têm pouco valor, pois podem estar alterados, ou não, se faz necessário exames de imagem (ecografia). Seu diagnóstico é baseado em dados histopatológicos, de material coletado por punção aspirativa. O tratamento é cirúrgico, com posterior reposição hormonal.

Referências:

SETIAN,N. Endocrinologia Pediátrica

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Caderneta de Saúde da Criança.

SANDRINI,R., RIBEIRO, R. e LACERDA, L. Childhood Adrenal Tumors. JCEM.

Imagens: domínio público.